sexta-feira, 11 de setembro de 2009

O homicida passional segundo Maitê Proença.


Raios não caiem duas vezes no mesmo lugar. Às vezes. Na minha casa caíram, e assim convivi com dois homicídios, no período de minha infância, o de meu pai e de minha tia sua irmã, que, por ironia, também matou o parceiro. Tenho, portanto, intimidade com o assunto. Mais do que isso, conheço-o profundamente, já que tive de compreendê-lo para sobreviver. Nada alivia tanto quanto o entendimento minucioso dos fatos que levaram a uma dor – como em tudo, só o conhecimento traz a cura. Cheguei ao requinte de compreender melhor os crimes a minha volta do que fizeram as pessoas que os praticaram. O assassino passional não sabe por que matou, e é um erro recorrente nos tribunais querer arrancar motivos de seus réus. Eles não os têm. Destroem o núcleo de suas vidas, o grande amor e a razão de tudo, e depois choram em cima de seus cadáveres por pena de si e pela falta do objeto amado. É um processo irracional. É também autodestrutivo. Tanto assim que, via de regra, esse homicida não foge do local de seu crime, mas fica ali, não tendo mais a perder, para ser preso em flagrante. A criatura que mata por amor é alguém cuja necessidade de paixão chegou a níveis obsessivos. Ali, há um apaixonado, ávido de afeto e incapaz de renúncia. A pessoa pensa sem parar numa única coisa, na impossibilidade de ter o outro como ele precisa que o outro seja, na traição, ou em sua eventualidade. Fantasias obscuras lhe entorpem a cabeça, e não há ser sobre a terra que consiga viver com uma só idéia a lhe atazanar dia e noite, na rua, no trabalho, por toda parte, a toda hora. A tormenta chega a um ponto de ruptura, que, dali, um mínimo detalhe leva a matar.

Além do mais, há pessoas que só sabem amar na tensão, vivem às turras e assim se realizam. O sentimento tranqüilo e pacífico, que para tantos é a forma ideal, para eles nada significa – o amor tem faces múltiplas, e há aspectos que vêm com a violência embutida. Nesses casos os homens tendem a ser mais agressivos. Eles batem, espancam e se portam de forma primária. A mulher, mais sutil, observa, e, intuitiva, aprende por onde atacar. Ela finge que trai, provoca, pede dinheiro que ele não tem para dar, fere-lhe o orgulho e vai levando o parceiro à exasperação. Aí ele bate, machuca e por aí vão anos de amor e dor. Até que um dia…

Qual o ser vivo, por mais bondoso, que já não pensou na morte de uns vinte? As crianças pensam. Todos nós pensamos. No trânsito, no trabalho, nas discussões com o parceiro.O homicida ocasional não é um homem ruim, mas alguém que viveu um tumulto interior gigantesco e por ali desviou de si. Ele pode ser bom sujeito, honesto, trabalhador, pai carinhoso. Não voltará a matar, e representa muito pouco perigo para a sociedade. Deve ser punido porque em seu desvario amputou a vida de alguém e espalhou sofrimento a sua volta, mas deve também, e pode, ser compreendido. É estranhíssimo, e dificulta a compreensão saber que essa criatura não sente remorsos. A idéia de que o assassino vive numa tortura interna que lhe devora o espírito é equivocada. Em seu mundo subjetivo ele (ou ela) tinha razões para fazer o que fez. Você, com sua ética, não consegue perdoá-lo, mas o homicida não vive sequer a questão do perdão. A coisa está feita, e os limites que rompeu ao praticá-la estavam amarrados na mesma praia onde ele hoje reencontra as justificativas que lhe permitem seguir vivendo. O que outrora serviu de motivação emocional para matar, hoje é um raciocínio lógico de seu universo íntimo. Então, se essa pessoa não assassinou por motivo fútil, ela merece ser vista à clareza das imparcialidades. Por ter refletido sobre isso a vida inteira, aprendi que para se julgar um gesto apaixonado é preciso muito desapego. E que há de se ter compaixão, pois com ela não só esse crime mas qualquer transgressão humana pode ser compreendida. Não há nada mais primário e mesquinho do que enxergar os atos alheios pelo ângulo exclusivo da acusação. Não se deve pensar, aquele fez mal à minha filha. Pense antes, minha filha fez mal a alguém.

Extraído do livro “uma vida inventada”, de Maitê Proença. Rio de Janeiro: AGIR Editora LTDA., p. 63 a 65.

Fonte: www.pauloqueiroz.net

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Sobre a diminuição do número de estudantes de Direito no Brasil.


''A quantidade de estudantes do curso de Direito no Brasil aumenta de forma impressionante, juntamente com o número de faculdades que oferecem o curso''.
De quando em quando nos deparamos com essa notícia nos jornais brasileiros. Entretanto, estou aqui para contestar essa afirmação precipitada.
Sim, o número de alunos matriculados no curso de Direito aumenta de forma impressionante. Porém, isso não implica dizer que o número de estudantes tenha adquirido aumento igual.
Eu, como estudante de Direito, vejo constantemente as pretensões- mesmo que falsas - dos alunos que ingressam na vida acadêmica jurídica. Em todos os primeiros semestres do curso de Direito eles, independente da faculdade, se vêem confrontados pela seguinte pergunta:
''Por que você faz Direito?''
A resposta a este questionamento é fruto do pensamento cultural que permanece em nossa sociedade há anos devido ao grande poderio estatal exercido em nosso território graças, em boa parte, à nossa cultura lusitana .
Seja pela preservação do título de ''fidalgos'', seja pela intenção de obtê-lo, a verdade é que muitos alunos atualmente só estão frequentando a faculdade de Direito com interesse, não pela ciência jurídica, mas sim, pela vida economicamente boa e confortável que o curso pode vir proporcionar.
Muitos desses alunos até vêm a se tornar estudantes de fato. Concentram horas, dias, meses e anos de suas vidas de estudo diário. Passam em concursos públicos e se tornam operadores do Direito. A partir daí, suas vidas mudam. O título de ''doutor'' se transforma em seus respectivos primeiros nomes. ''Joana Pontes de Andrade Coelho Assunção'' se torna ''Doutora Joana Pontes de Andrade Coelho Assunção''. E 'ai' de quem esquecer do primeiro nome!
As suas vidas baseiam-se na pseudo-pathos ao curso de Direito. De tal forma que não dedicam seus esforços e conquistas na busca pela melhoria da sociedade.
Há grandes exemplos de profissionais que amam o que fazem, de alunos que amam o estudo do Direito e até mesmo de pessoas não-bacharelandas, simples cidadãos, que se interessam pela vida da sociedade em que vivem. Todavia, estes estão cada vez mais escassos no meio de tantos bacharéis formados anualmente e de cidadãos descrentes.
Portanto, pretendo, com esse artigo, chamar a atenção de meus colegas a este fato e fazê-los repensarem suas escolhas a fim de que deste modo possam garantir uma vida melhor não só para eles mesmos como para a sociedade.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Breves considerações acerca do livro "As prisões da Miséria".


Waqcuant, Loic. As prisões da Miséria. Edição 2001. Editora Zahar. Tradução: André Telles.

A precariedade do sistema penal atual no cenário global é o alvo de Críticas e pesquisas realizadas por Loic Wacquant na obra ''As Prisões da Miséria'' ( Les prisons de la misère). O livro representa, de fato, um alerta a comunidade global e às sociedades que partilham da ideologia de medidas penitenciárias cada vez mais rígidas.

A “forja da nova razão penal” teve como idealizador Charles Murray, um dos principais administradores da gestão do presidente Reagan, na década de 80. A principal idéia da “Teoria da Vidraça Quebrada”, pseudo-cientificamente requintada por paralogismos e equívocos, baseia-se no rígido tratamento aos crimes, ou melhor, às contravenções praticadas no cotidiano, pois, de acordo com seus idealizadores, são esses delitos de menor importância que são mais incidentes e se transformam em crimes com alto grau de periculosidade no decorrer do tempo.

A forma neoliberal de penalização, iniciada nos Estados Unidos da América, mais especificadamente no coração de Manhattan, promove a ''criminalização da miséria'' a fim de que se possa preservar a qualidade de vida da parte abastarda da população, detentora de maior representatividade eleitoral. Devido a punição de crimes, como a vadiagem, por exemplo, essa parte minoritária da população pode se sentir segura ao andar pelas ruas de sua cidade.

Wacquant, por meio de diversas e sólidas pesquisas, foi capaz de obter resultados –estes até mesmo esperados, por aqueles que vivem à luz da razão de um Direito Penal subsidiário - da não efetivação dessas medidas de criminalização de pequenos delitos e as conseqüências por elas desencadeadas, como a crescente indústria dedicada a construção e privatização de novos presídios, assim como a contratação de agentes carcerários. Nos Estados Unidos, segundo dados fornecidos pelo sítio eletrônico do Bureau of Justice Statics, mais de dois milhões de pessoas encontram-se privadas de suas liberdades e existem cerca de quatrocentos mil trabalhando nas penitenciárias. Recursos que deveriam ser dedicados à área de saúde, educação e previdência, como para a área de “welfare”, foram sendo desviados para a construção e aprimoramento do sistema carcerário.

A sobreposição da segurança policial nas ruas em relação a outras espécies de segurança, como a jurídica e econômica, por exemplo, mostra-se crescente nos países seguidores da doutrina de Charles Murray,como a Inglaterra e França,por exemplo. A opção feita pela adoção dessa medida é decorrente, por outro lado, da enorme insegurança social e salarial pela qual a população estadunidense se encontra desde a década de 80.

A sociedade brasileira, por exemplo, desde a parte detentora do mais alto padrão de vida, indo da classe média, até o pobre proletariado, mantém vivo esse sistema de criminalização da miséria, devido à forte insegurança que assola a população e faz com que a mesma acredite que privar todos os delinqüentes de suas liberdade é a melhor solução para resolver a questão da criminalidade. Fato este que pode ser observado presente na televisão brasileira. Por exemplo, quando a imprensa divulga uma rebelião no presídio , logo o povo revolta-se contra o diretor do presídio e as autoridades locais. Estes, prometem adotar medidas mais rígidas de segurança para não repetir o acontecido, e, se os mesmos cumprem a promessa, são tidos como um heróis nacional. Todavia, nunca se vê o contrário acontecer, nunca se presencia a população ou a imprensa revoltando-se contra o sistema carcerário brasileiro quando se encontra uma pessoa perante o juiz devido a uma reincidência criminal, pois um dos deveres do Estado, ao privar o indivíduo de sua liberdade, é recuperá-lo. As críticas não são direcionadas ao sistema, mas, sim, ao indivíduo reincidente.

A escolha por uma substituição do Estado Social por um Estado Penal vê-se crescente tendência mundial, provocando a disseminação de miséria, a inflamação do setor carcerário e o esquecimento por completo dos direitos do penitenciado.

Wacquant mostra que a propagação de medidas oriundas do sistema da “Tolerância Zero” contribuiu definitivamente para o estabelecimento de um Estado Penal seletista e não subsidiário, focado em diminuir cada vez mais os auxílios previdenciários, não só dos presos, como da massa populacional em geral, a fim de direcionar esses recursos à grande indústria presidiária.

A pena privativa de liberdade, que em sua natureza deveria ser uma das opções de medidas para recuperação de um indivíduo, a fim de que este possa ser reabilitado a viver em sociedade, torna-se uma regra, sobrepondo-se à própria liberdade em si que, por sua vez, passa a virar a exceção.

Loic Wacquant, com genialidade estabelece críticas e soluções à triste realidade carcerária mundial, propondo a “criação de novos direitos do cidadão” e mais, a efetivação dos mesmos. Ao invés de optar pelas prisões da miséria, o autor prova que a Europa deve voltar sua atenção aos caminhos que podem ser seguidos para um retorno ao Estado Social, fato este que só depende da forma de civilização que o continente desejar adotar daqui em diante.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Significado: Direito e Práksis.



Práksis é uma palavra grega que representa uma corrente teórica filosófica formada, basicamente, pela idéia de que o conhecimento deve ser revolucionário e causar mudanças sociais. 

Entendida - mesmo que lexicamente - a noção da práksis grega, resta-nos fazer uma ligação desta com o Direito.

Muitas mentes sábias se empenharam diversas definições para esse conhecimento tão abstrato que é o Direito, sendo que ainda hoje a busca incessante pelo significado desta palavra é motivo de estudos aprofundados. No que tange ao nosso estudo muito conveniente é a definição feita por Miguel Reale que diz que '' o Direito é um fato ou fenômeno social; não existe senão na sociedade e não pode ser concebido fora dela.''

Ao empregar o termo ''Direito Práksico''- o qual muitos podem entender como uma enorme redundância - pretendi, portanto, fazer uma analogia entre esses dois termos, aspirando - mesmo que para muitos utopicamente - a realização de um direito voltado a fazer revoluções e mudanças a favor da justiça social e da isonomia aplicada.

Em face da desigualdade constante na realidade brasileira o termo ''Direito'' vem sendo hostilizado - e com razão - por boa parte da população que se vê oprimida pelas ações judiciárias realizadas em nome desse ''Direito'' que, claramente, tem cada vez mais o seu símbolo da balança - à priori, representante fiel da igualdade - pendendendo cada vez mais para o lado do domínio da classe abastarda da nossa sociedade.

O objetivo desse sítio eletrônico é elaborar discussões - a fim de que estas, por sua vez, possam se transformar em soluções - acerca dos problemas sociais brasileiros e do Direito no cotidiano das pessoas.


REFERÊNCIAS:


LIÇÕES PRELIMINARES DE DIREITO. REALE, MIGUEL. 27ª Edição. Pág.2.